11 outubro 2006

Parabéns, voinho!!!


“veja que beleza, em diversas cores.. veja que beleza.. em vários sabores, a burrice está na mesa (...)” (Tom Zé)

Tropicalista cuca boa e nova!!!

Salves, salves, salves!!!

Começamos hoje uma quarta-feira muito mais feliz, muito mais interessante para a música brasileira. Hoje, 11 de outubro, é aniversário de 70 anos de Antônio José Santana Martins, ou Tom Zé, como é conhecido no Brasil desde 1968, quando lançou-se de vez no mercado fonográfico brasileiro.

Confesso-me estar um pouco tenso ao escrever alguma coisa sobre este cidadão, uma das maiores (se não a maior) referência musical de criatividade, singularidade, genialidade, inventividade, irreverência, rebeldia e outros adjetivos mais que temos no Brasil. É uma responsabilidade muito grande, e creio também ser muito complexo, conseguir definir da forma mais adequada este baiano de Irará, que conseguiu transformar rapadura, farinha, seca e agrura em matéria-prima substanciosa para uma das músicas mais cosmopolitas e inteligentes de que se tem conhecimento hoje em dia.

Não é todo o dia que um senhor de 70 anos faz uma participação no novo CD do grupo Cake, ou já fez um show com o grupo Tortoise.

Tom Zé foi um dos alicerces fundamentais para o surgimento da Tropicália. Porém, foi ele o mais outsider do grupo. Porém, não no sentido de estar por fora, e sim de estar correndo por fora, por ser ele dotado de uma singularidade tamanha que chegou a ser (e ainda o é) o mais tropicalista de todos, no cerne da rebeldia que aquilo poderia significar, e o menos tropicalista deles, pois optou por seguir o sentido contrário da corrente, que era o da popularização/massificação e facilidade totais; ele seguiu um caminho não percorrido, tornando-se uma bela e inspirada aberração construída e edificada dentro das próprias deficiências (como ele próprio define), transformando-as em grandes idéias, em grandes obras, capazes de sair das amarras de qualquer convenção, conceito e definição, conservando ao longo de todos esses 70 anos um vigor infantil, uma rebeldia adolescente (sempre indignação) e uma sabedoria que a idade e a experiência de vida lhe puderam conferir.

Tom Zé disse que sua primeira experiência musical foi ao tentar tocar violão e cantar para uma moça, ainda em Irará, na juventude. Disse que foi traumatizante. Um bloqueio, uma travação o deixaram totalmente inerte, apático, entalado. Nunca teve beleza, talento para tocar ou voz bonita para ser consagrado como um grande cantor, daqueles que encantam belas moças. Foi daí que partiu para seguir o caminho de desconstruir-se e utilizar com destreza, vontade, inteligência e sensibilidade tudo o que poderia se tornar um obstáculo para seu progresso, usando a seu favor. E me parece que deu certo.

Estreou para o público brasileiro no IV Festival de MPB da TV Record, em 1968, cantando a música campeã São, São Paulo, meu Amor, de sua autoria.

Daí pra frente fez discos memoráveis, como Todos os Olhos (cuja capa era um ânus, com uma bola de gude introduzida, isso em pleno governo Médici, 1973) e Estudando o Samba, em 1976.

Apesar da inconteste genialidade, da metade dos anos 70 até o final dos anos 80, Tom Zé entra para o ostracismo, longo e doloroso, que duraria 17 anos de esquecimento e tristeza, para um artista que sempre viveu do exercitar de sua mente irrequieta (durante esse período, gravou, em 1986, um disco genialíssimo, chamado Nave Maria).

Foi redescoberto, já desenganado e quase que abandonando de vez o ofício, por David Byrne (ex-Talking Heads). É através do selo Luaka Bop, de David Byrne, que é lançado, em 1990, nos E.U.A., The Best of Tom Zé (ou "Tãn Zi", como é chamado lá), uma coletânea de sua obra. A partir daí passou a ser aclamado pela crítica ianque. Inclusive ganha um prêmio chamado “Prêmio de Criatividade”, em Colorado, do qual participam músicos eruditos e/ou de vanguarda do mundo todo.

No ano seguinte, grava o excelente The Hips of Tradition.

Em 1999, é consagrado pelo público brasileiro (e jovem) no Abril pro Rock, onde ele diz ter nascido novamente.

Em 2001, lança Jogos de Armar. Sempre inovando, traz dois CDs, um contendo as músicas, e o outro com fragmentos das músicas, espalhados, separados, sugerindo ao público que remonte esses pedaços e construa novas músicas, podendo se tornar, assim, um parceiro de Tom Zé.

Em 2002, três anos depois de ter renascido, no mesmo Abril pro Rock ele quase morre, ao ter um infarto após o seu show (eu estava presente nessa apresentação). Tom Zé passou em torno de uma semana internado em Recife, no Hospital Real Português.

Ano passado lançou o fantástico disco Estudando o Pagode – na Opereta Segregamulher e Amor, no qual faz uma interessante analogia entre a segregação cultural e social da mulher e a segregação de ritmos como o pagode.

Hoje, dia do seu aniversário, lança mais um disco (já estou doidinho pra ouvir), que se chama Danç-Êh-Sá – Dança dos Herdeiros do Sacrifício. Pelo que li no JC hoje, mais um trabalho conceitual, baseado na idéia da omissão dos intelectuais diante da política brasileira, da rejeição dos jovens por músicas de letras longas, e estabelecendo um diálogo com o passado e com o folclore. Palavras do "DJ Tão Zé" (como já se pode ver em foto no seu site, entremeado por fios, elementos de discotecagem – como um vinil - e colorido: “Esse disco tem três ou quatro influências. Uma delas foi o silêncio dos intelectuais diante do abismo causado pela decepção com a esquerda política. Outra influência foi uma pesquisa feita pela MTV que mostrou que os jovens não gostam de músicas com letras longas. O dicionário faliu, e as palavras não falam nada. Em função disso, eu decidi fazer um disco cheio de tartamudeios. É uma maneira de tentar chegar até eles. É um jeito de dizer para eles que o mundo é uma coisa de nossa responsabilidade. Peço que eles abandonem essa posição de irresponsabilidade. Ele é ousado, mas dialoga com o passado. Tudo que faço faz referência ao folclore e à música brasileira. Usei nas faixas células e ambientes musicais dos anos 40”.

Isto é Tom Zé. Será que ele chega aos 140?
















(ouvindo Ave Dor Maria, by Tom Zé)

Um comentário:

Daniel Vilarouca disse...

Cara,
eu te devo um grande favor... (e, eí de retribuir um dia) Você com toda a sua tropicalidade, me fez ver um Caetano muito além daquele que eu imaginava. Porém, ainda acho que Tom Zé é o cara!!!
Maior que o enigma do universo é descobrir como cabe tanto talento dentro de um corpo tão minúsculo.
Sobre as longas composições e o seu vasto dicionário mental, concordo com Tom Zé: as pessoas não estão habituadas a esse tipo de coisa, mas é preciso que se faça uma forcinha para contribuir com nossa língua brasilís (um português adaptado ao meio).
Não sei se você viu, mas na semana passada, Jomard apresentou o "Sopa Diário", no logar de Roger. Bicho, e assistir aquele programa foi de um prazer imenso. Porque o bom e velho Jomard com toda a sapiência e poder de descontrução levou ao ar palavras difíceis, tanto no entendimento do telespectador quanto na pronúncia, e que nós (como estudantes de comunicação) sabemos que não é permitido pelo censo comum de quem faz TV. E, isso só me faz FELIZ (assim mesmo) porque só tem a acrescentar ao vocabulário dos pernambucanos.

Abraços pra você, meu velho!
Até mais!!!